sexta-feira, 16 de julho de 2010

CAUSOS




Nas fogueiras de Paysandú, Mellado Iturria conta causos. Conta acontecidos. Os acontecidos aconteceram alguma vez, ou quase aconteceram, ou não aconteceram nunca, mas têm uma coisa de bom: acontecem cada vez que são contados. Este é o triste causo do bagrezinho do arroio Negro.

Tinha bigodes de arame farpado, era vesgo e de olhos saltados. Nunca Mellado tinha visto um peixe tão feio. O bagre vinha grudado em seus calcanhares desde a beira do arroio, e Mellado não conseguia espantá-lo. Quando chegou no casario, com o bagre feito sombra, já tinha se resignado.

Com o tempo, foi sentindo carinho pelo peixe. Mellado nunca tinha tido um amigo sem pernas. Desde o amanhecer o bagre o acompanhava para ordenar e percorrer campo. Ao cair da tarde, tomavam chimarrão juntos; e o bagre escutava suas confidências. Os cachorros, enciumados, olhavam o bagre com rancor; a cozinheira, com más intenções. Mellado pensou em dar um nome para o peixe, para ter como chamá-lo e para fazer-se respeitar, mas não conhecia nenhum nome de peixe, e batizá-lo de Sinforoso ou Hermenegildo poderia desagradar a Deus.

Estava sempre de olho nele. O bagre tinha uma notória tendência às diabruras. Aproveitava qualquer descuido e ia espantar as galinhas ou provocar os cachorros: __ Comporte-se – dizia Mellado ao bagre.

Certa manhã de muito calor, quando as lagartixas andavam de sombrinha e o bagrezinho se abanava furiosamente com as barbatanas, Mellado teve a idéia fatal: __ Vamos tomar banho no arroio – propôs.Foram os dois. E o bagre se afogou. GALEANO, Eduardo. O Livro dos Abraços. Porto Alegre: L & PM, 1995.

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