sábado, 11 de setembro de 2010

O Elefante, escravo do Coelho

Uma vez, o Coelho andava a passear e encontrou um grande ajuntamento de animais sentados à sombra de uma árvore.

Cheio de curiosidade, quis logo saber do motivo daquela reunião e perguntou:

- Então o que é que se passa? Que novidades há por aqui?

Um dos animais explicou:

- Trata-se de um milando e estamos à espera do Elefante, o nosso chefe, para o resolver.

- O quê?... O quê?... O Elefante vosso chefe? - perguntou o Coelho, franzindo a testa.

E continuou:

- O Elefante não é chefe nenhum! O Elefante é meu escravo e leva-me sempre às costas a qualquer parte que eu queira!

Alguns do grupo admiraram-se:

- Como pode o Elefante ser teu escravo se tu és tão pequeno?

- O ser pequeno nada tem a ver com o meu valor - replicou o Coelho.

E, em tom autoritário, acrescentou:

- Já vos disse e torno a dizer que o Elefante não é chefe, é meu escravo, e por isso, vocês podem ir embora daqui, que nesta coisa de resolver milandos ele não tem nada que se meter.

Dito isto, o Coelho dirigiu os passos para sua casa e muitos dos animais foram-se também embora dali por terem acreditado nas suas palavras.

Algum tempo depois, chegou o Elefante e perguntou:

- Então onde estão os outros que aqui faltam? Atrasaram-se na viagem?

- Não! - explicaram-lhe os poucos animais que lá tinham ficado. - Os que aqui faltam foram-se embora há pouco tempo, porque passou neste lugar o Coelho e disse-nos que tu, Elefante, não és chefe, mas sim, um escravo dele.

O Elefante tremeu todo de indignação e, muito furioso, resmungou:

- Ah, Coelho malandro! Coelho vigarista!... Deixa lá que, hoje mesmo, me darás conta de palavras tão injuriosas e tão vis!...

Entretanto, o Coelho chegou a casa e fingiu-se doente. A mulher, cheia de pena, foi estender uma esteira e o Coelho deitou-se nela.

Daí a momentos chegou a Impala, que era cunhada do Coelho, avisando-o de que o Elefante já se aproximava para lhe fazer mal. E, transmitido o recado, retirou-se.

O Coelho, manhoso, entrou então em grandes convulsões, soltando, ao mesmo tempo, gemidos tão lastimosos que era mesmo de partir o coração.

Chegou o Elefante que se pôs a roncar, muito mal disposto:

- Ó Coelho, ó malandro, salta depressa cá para fora, que tens de me acompanhar.

O Coelho murmurou, a gemer e entrecortando as palavras:

- Oh! Por... fa...vor! Des...cul...pe-me... porque eu... não... es...tou... bom!... dói-me mui...to... o cor...po to...do! Isto foi... um mal que me deu de re...pen...te...

- Não quero saber! Seja como for, tens de vir comigo ao lugar onde estão reunidos os outros animais, porque ouvi dizer que tiveste o descaramento de enxovalhar o meu título de chefe e de dizer que eu sou teu escravo - replicou o Elefante.

- Tens to...da a ra...zão... mas o cer...to é que eu... não aguen...to ca...mi...nhar... para te po...der... acom...pa...nhar!

- Já te disse, tens de vir comigo, custe o que custar, mesmo que eu tenha de te levar às costas - ordenou o Elefante.

- Então só se for desse mo...do, mas fi...ca... sa...ben...do que mes...mo assim a via...gem me vai ser muito... pe...no...sa.

E, logo a seguir, chamou a mulher e disse, chorosamente:

- Dá cá a minha ca...mi...sa nova. Hi... Hi... Hi... Hi... vai tam...bém bus...car as minhas cal...ças no...vas.

E, depois:

- Já a...go...ra, traz tam...bém os meus sa...pa...tos no...vos! É que po...de a...con...te...cer que eu morra e, ao me...nos, que...ro morrer com os meus tra...jes mais ricos.

Uma vez o Coelho vestido e calçado, o Elefante abaixou-se e o Coelho saltou-lhe para as costas, onde se instalou muito bem instalado.

Estava um calor de rachar pedras. Antes de partir, o Coelho gritou para a mulher:

- Ó mulher, dá-me cá a sombrinha porque está muito calor... e posso agravar os meus males com alguma insolação.

O Elefante, em grandes e rápidas passadas, pôs-se a caminho da reunião.

Quando se aproximavam do lugar, o Coelho, deixando de fingir que estava doente, ensaiou uma atitude de pessoa importante e esboçou um sorriso feliz.

Os outros animais ao verem o Coelho assim todo solene e bem apresentado, às costas do Elefante, começaram todos com grandes exclamações:

- Olha! Olha!.. Sempre é verdade o que o Coelho dizia. O Elefante é escravo dele... pois que o traz às costas.

Quando o Elefante parou, o Coelho deu um salto, muito ágil e elegante, para o chão e, tomando a palavra, dirigiu-se assim aos outros animais:

- Estão a ver?... Estão a ver?... Eu não vos dizia que o Elefante é o meu escravo?

Todos os animais presentes romperam em grande gritaria, clamando:

- É verdade, sim senhor, é verdade. Tu, Elefante, não és chefe nenhum!... És escravo do Coelho pois o carregas às costas.

O Elefante só então deu pelo ato de estupidez que cometera e, cheio de vergonha, desandou dali para fora.

in: Contos Moçambicanos

INLD - 1979

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