terça-feira, 28 de setembro de 2010

Entrevista, o psiquiatra Içami Tiba explica porque a disciplina é a base segura para uma educação saudável


Helena Poças Leitão


RCEG: Quais os maiores desafios da escola em relação à disciplina dos alunos?



Içami Tiba: A disciplina hoje tem um novo conceito. Antigamente, a criança é que seguiria as regras, cumpriria ordens, faria tudo sem questionar; ela seria o disciplinado. O critério de disciplina-ordem também é necessário para que o aluno possa realizar suas vontades.

Hoje, porém, a disciplina é uma qualidade que os alunos têm que desenvolver para que, desse modo, consigam concluir sua vontade, não só fazer o que lhe foi ordenado.



RCEG: Qual o maior problema causado pela indisciplina na escola?



Içami Tiba: É a dificuldade de organização que favorece a bagunça e, na bagunça, dificilmente as pessoas conseguem produzir. Hoje em dia uma pessoa até para aprender tem que ter uma mente organizada.

A pessoa precisa ter a capacidade de colocar as ideias em ordem, priorizar coisas para poder pelo menos expressar um sonho, uma vontade, uma ordem, um pedido. Hoje, parece que as crianças não conseguem completar nenhuma frase.

As crianças têm uma competência enquanto têm interesse, e essa competência some quando eles perdem o interesse. Isso tem a ver com a dificuldade de aprendizado, e a dificuldade de aprendizado tem a ver com a falta de disciplina no sentido antigo. O que temos hoje é uma sofisticação do antigo.



RCEG: Hoje em dia está mais difícil disciplinar as crianças?



Içami Tiba: Sem dúvida, sim. Há um novo paradigma de ensino. O professor não é fonte única do saber. O professor passa a ter que gerenciar aprendizados e não ele ser a única fonte do aprendizado. Os professores precisam hoje saber lidar com dinâmica de grupo. Não dá mais para ele lidar com 40 alunos, tem que entender uma sala de aula como uma entidade que tem vida própria em que cada aluno é um indivíduo único, formando subgrupos.

Dentro da sala de aula há vários grupos que se reuniram afetivamente, ou por faixas de idade, por interesses, entre outros. Por exemplo, um pai que tem cinco filhos não pode tratar todos eles da mesma forma, já que cada filho tem uma necessidade diferente. O professor pode selecionar alunos de acordo com as forças e as fraquezas de cada um e trabalhar em sala de aula um estudo das diferenças, gerando assim conflitos para que todos aprendam a gerenciá-los. Isso é diferente de confronto, por exemplo, um professor diz para o aluno “quem manda aqui sou eu, você cala a boca”, isto é um confronto. Se o professor precisar pedir respeito é por que o respeito não está existindo entre os alunos.



RCEG: Qual a influência do bom humor na arte de disciplinar?



Içami Tiba: O bom humor revela uma inteligência do professor. É muito comum o aluno achar que o professor é burro e que só entende daquela matéria e se for falar de outra coisa ele já não saberia responder. Então o bom humor traz o respeito do professor, consequentemente os alunos ficam mais relaxados e conseguem estabelecer o aprendizado.

Antigamente o “nerd” não era respeitado, e os alunos zombavam dele. Hoje, isso mudou. As pessoas respeitam a inteligência. Hoje o pensamento é outro: “trata bem ele que amanhã você pode ser empregado dele”.

A postura do professor dentro da sala de aula deve ser diferente assim como a formação dele também. Há mais de quarenta anos eles formam professores do mesmo jeito. Há professores que ainda não sabem mexer no computador. Daí surgem professores sem preparo, que impõem as coisas para o aluno, só sabe corrigir o que ele pediu, atrapalhando o aprendizado da criança.

A coisa que acho uma desgraça é o professor ser obrigado a fazer o que o currículo manda e não o que a classe necessita. Então o pensamento é “não tem problema se o aluno está entendendo, eu estou fazendo a minha função”.



RCEG: A tendência é piorar ou melhorar o modo de educar?



Içami Tiba: A tendência é piorar porque muitos dos professores que têm passado nos concursos são os mesmos que eram péssimos na época de colégio, e que não conseguiram outro emprego e optaram por ser professores. Que moral eles têm, esses professores, ao lado de outros que realmente querem fazer carreira de professor?



RCEG: A falta de disciplina nas escolas é responsável pelo declínio da qualidade do ensino? É possível o professor ser amigo do aluno, sem que este se torne um indisciplinado? Quais são os limites?



Içami Tiba: A falta de disciplina atrapalhou a vida das pessoas porque confundiram isso com liberdade. A disciplina é um ingrediente da liberdade. Não há meio-termo. Para ter esta disciplina é necessário se voltar para a saúde social e não apenas para o bem-estar pessoal. É necessária uma mudança radical, rumo a este conceito. Para esta mudança é necessário conhecimento. Os professores que desejam aplicar esse conhecimento precisam estudar. É a Teoria da Integração Relacional. Os pontos altos das minhas palestras são essas mudanças no conceito de disciplina. Os professores devem se capacitar – não há como fazer testes com alunos. É como um cirurgião, que não pode fazer testes com pacientes. O professor pode ser amigo com disciplina e inimigo com indisciplina. Os limites são os interesses do grupo.



RCEG: Quando falamos em limites e disciplina na escola, englobamos também os professores e funcionários?



Içami Tiba: Sem dúvida, estamos falando daquela disciplina necessária, que é a disciplina da civilidade, aquela que caracteriza o cidadão. A minha proposta em relação a isso é que se estabeleça a cidadania escolar. É importante que a criança saiba que na escola ela não pode repetir o que ela já não faz lá fora. A escola é a última chance que a criança tem de aprender isso.



RCEG: Muitos pais deixam inteiramente para a escola a responsabilidade de educar seus filhos. Como a escola deve agir nesse caso?



Içami Tiba: É fundamental que os pais acompanhem o estudo dos filhos. O que não dá é para os pais fazerem o que vemos muito hoje em dia: eles delegam, a criança estuda, dão o melhor para o filho, mas se ele repete de ano, a culpa é do professor que é ruim. A proposta hoje é que o cérebro não pare. Férias são horríveis por conta disso. Então os pais têm que cobrar os filhos todos os dias. Mesmo nas férias é preciso estimular o cérebro, e a tecnologia favorece isso.



“A falta de disciplina atrapalhou a vida das pessoas porque confundiram isso com liberdade. A disciplina é um ingrediente da liberdade”



RCEG: Relate experiências vitoriosas vivenciadas por meio dos conceitos de disciplina propostos pelo senhor.



Içami Tiba: Por exemplo, pense numa briga em escola. Um aluno machuca o outro. Não adianta o pai do aluno que agrediu pagar as despesas do hospital para o que se machucou e a escola suspender o agressor. A melhor coisa é aquele que bateu cuidar de quem foi agredido: fazer curativos acompanhá-lo para ir aos médicos. Independentemente da idade dos alunos. O agressor vai ver, com clareza, o estrago que provocou, vai tentar mudar seus métodos. Em família, isso é muito interessante – as pessoas se redescobrem. É como os alunos que têm uma doença e querem ser médicos. Outra situação comum em casa é a criança que brinca e depois não quer guardar os brinquedos. Por quê? Porque os pais só dão o meio do processo – o brincar.

A criança não cuida dos brinquedos e não quer guardá-los. Brincadeira tem começo, meio e fim. Para mudar isso, os pais devem ser duros. Na hora que a criança pegou o brinquedo deve ser avisada para arrumá-los depois de brincar – senão não vai brincar. O segundo passo é, depois que ela brincou, fazê-la arrumar os brinquedos. Se não quiser arrumar, os pais têm de combinar o seguinte: sendo assim, terão de dar os brinquedos para uma criança carente.

A criança precisa sentir que pode perder o brinquedo. Aprender um gesto de cidadão: o que não nos serve, serve para muita gente. Há crianças que têm de perder muitos brinquedos para aprender a valorizá-los.



RCEG: Os meios de comunicação são uma influência forte sobre crianças e adolescentes com relação ao consumismo, à cultura do prazer pelo prazer, à erotização e à ausência de limites. O que aconselha aos educadores e pais para lidar e se contrapor a essa influência? Que papel a escola tem nesse sentido?



Içami Tiba: Acho que a mídia funciona assim porque tem mercado para isso que é oferecido. Ela não é muito culpada. Oferece o que é consumido. O consumo não é problema de uma pessoa e sim de todas as gerações. É uma questão social. É importante que cada família reaprenda a ver televisão. Esperar que a TV regule sua programação por sua ética é algo em vão. São empresas que visam lucro. Se o preço de um apresentador como o Ratinho cair é porque caiu a audiência. Casas onde cada um tem um aparelho de TV em seu quarto, multiplica a oferta para o consumo. Independentemente disso, cada família deveria ter uma visão crítica dos produtos e comportamentos oferecidos pela TV.

A TV proíbe o diálogo, necessita da atenção visual do espectador. Mesmo assim, o costume de dialogar e trocar ideias deve ser alimentado na família – mesmo que seja sobre os programas assistidos. Não dá para ser uma sessão de ordens, na qual os pais dão lições de moral e impõem seus pensamentos. Deve ser uma conversa gostosa, em que todos impõem seu ponto de vista. Os pais devem deixar os filhos falar e eles devem falar também. Assim estão ensinando que seus filhos devem aprender a pensar e a discutir, para usufruir da melhor maneira da informação e da globalização. As experiências devem ser compartilhadas. Isso fará os pais crescerem. O papel da escola entra em determinadas matérias, como estudos da atualidade brasileira, ou nos conteúdos transversais (assuntos vistos por diversas matérias em determinados ângulos). A TV seria um objeto de debate crítico em sala de aula. Por exemplo: o programa Você Decide. Para o jovem é importante ser participativo. Esse modelo de que o bom aluno é aquele que absorve o que o professor fala, faz as lições, tira boas notas e não dá um pio é totalmente equivocado.



RCEG: Como o senhor avalia a influência da internet na educação e formação do adolescente? O senhor está desenvolvendo estudos a respeito?



Içami Tiba: Acredito que internet é um grande ganho social e educacional, desde que se selecione a informação que se quer obter. Não importa a quantidade de informação, mas sim como se faz uso delas. Hoje vale muito mais alguém que saiba aplicar bem conhecimentos específicos do que alguém com uma vasta quantidade de diplomas.

Atualmente, valoriza-se a aplicabilidade da informação. No começo do contato com a internet é aquele turbilhão de informação.

Com o tempo, as pessoas vão saber selecionar o que querem e por que querem. O que apavora os pais é quando eles não têm conhecimentos sobre isso. A internet passa a ser vista como um bicho de sete cabeças – e simboliza a perda do poder e do controle dos pais sobre os filhos. É importante que os pais estimulem os filhos a ensinar para eles como se mexe na internet – é um dos princípios do livro Ensinar aprendendo.



RCEG: Na sua opinião e de acordo com sua experiência, por que as escolas brasileiras e os professores têm aumentado seu interesse pela psicopedagogia?



Içami Tiba: Porque a pedagogia pura não funciona mais. O elemento relacional tem de entrar. Enquanto o adolescente não aceita uma pessoa, não aceita o que ela diz. Quando um burro fala, o outro baixa a orelha e não escuta. O aluno que abre a boca abre os ouvidos. Quando ele fala, se compromete, dá pistas do que pensa e por onde os professores podem ser melhor entendidos.

Fonte: Clube Eu Gosto – A Revista do Professor. Número IV- Agosto/Setembro 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário